Diego Arrebola: O Sommelier Número 1 do Brasil

Bicampeão do título de Melhor Sommelier do Brasil pela Associação Brasileira de Sommeliers, Diego Arrebola parece colecionar certificados e concursos. Conheça a sua trajetória e confira algumas dicas para quem está pensando em se tornar um Sommelier

Foi em 2004 que Diego Arrebola deixou a carreira administrativo-financeira em um grande banco para tornar-se cumim. A decisão de mudar de área, em suas palavras, foi tomada única e exclusivamente pela necessidade. “Eu precisava pagar as contas, tinha filho pequeno, e como cumim eu ganhava mais do que no banco”, contou à redação da Grand Cru.

Como o primeiro restaurante em que trabalhou ficava em um shopping center, passava os intervalos entre turno do almoço e do jantar na livraria lendo.  Encontrou entretenimento nas páginas que se dedicavam a gastronomia e vinho e admite que “o que acabou me interessando mais foram os vinhos, e a partir daí comecei a estudar, me aprofundar mais”.

À medida que passou tempo no restaurante, deixou de ser ajudante de garçom e foi subindo de cargo até receber a proposta para assumir a posição de sommelier. “Eu não fiz curso de sommelier desde o princípio porque não existia curso fora de São Paulo, mas em 2009 participei da primeira turma que a ABS [Associação Brasileira de Sommeliers] teve no interior”, disse Diego.

De 2009 em diante, sua carreira alavancou. Além de ter passado por renomados restaurantes, como Olivetto e Pobre Juan, continuou seus estudos sobre vinho, incluindo certificados pela Wine & Spirits Education Trust, Court of Master Sommelier e Associazione Italiana de Sommeliers de Torino. Além disso, conquistou uma série de prêmios e venceu concursos, como o de Melhor Sommelier do Brasil duas vezes, promovido pela ABS – a primeira vez que venceu o concurso foi em 2012 e segunda vez em 2016 -, sem falar em todos os reconhecimentos pelas excelentes cartas de vinho que assinou.

Conheça a trajetória profissional do Sommelier e saiba o seu segredo para se destacar no atual cenário de sommellerie do país.

Grand Cru: De 2009 em diante a sua carreira deslanchou. Você conquistou uma série de títulos e venceu concursos disputadíssimos. Como foi isso? Por que a busca incessante por competições?

Diego Arrebola: Tem uma boa dose de pragmatismo e planejamento nisso. Tanto que depois que eu saí desse primeiro restaurante, entrei num bar de vinhos. Um bar grande e fino. Eu já entrei como sommelier, já cuidava da carta. Nesses anos seguintes, fui gerenciar outros dois restaurantes. Desde quando eu comecei a estudar mais vinho, tinha muito claro isso: eu desejava ter sucesso na profissão num nível nacional e eu sabia que, por estar no interior, não ia chamar a atenção da mídia especializada e do mercado. Não ia me destacar na profissão no interior, então o caminho que eu tinha para me destacar eram os concursos, que me davam essa visibilidade nacional. E a questão das certificações é uma questão pessoal mesmo. Eu gosto de estudar, no caso específico da Court of Master Sommelier, tem um grau de espírito de competitividade também. Deus não me deu a forma física para ser um esportista, então eu achei um outro caminho para satisfazer as minhas necessidades competitivas. Estudar vinho é o meu esporte, a minha diversão.

GC: Que dica você daria para um sommelier que está começando a carreira?

DA: Tenha consciência que essa é uma profissão que exige estudo. Em grande parte, sommelier está perdendo espaço no mercado. Os restaurantes têm optado por trabalhar menos com sommelier, valorizado menos o sommelier, justamente porque nós não temos tantos profissionais completos. A gente tem muito garçom de vinho, tem gente que acha que vai fazer cursinho de vinho e aquilo faz dele um profissional pronto para ele ganhar um pouquinho mais. Uma coisa que você precisa é estudar muito além daquilo que você aprendeu no curso. Para você pegar um vinho desse, um Dogliani, olhar e saber o que é, de onde vem, de que uva é feito. Você não vai aprender cada denominação obscura da Itália. Você vai aprender Barolo, vai aprender Barbaresco, vai aprender Dolcetto d’Alba, vai aprender Barbera d’Asti. Mas você não vai aprender tudo. Você não vai aprender cada pequena denominação do Piemonte.

GC: Viajar e conhecer vinícolas ao redor do mundo é fundamental para a carreira de um sommelier?

DA: Eu não acho que elas são fundamentais [as viagens], acho que elas são um complemento muito bom. Não tenho a menor dúvida que viajando você absorve muito mais conhecimento, você  aumenta sua cultura geral, você aumenta o escopo daquilo que você tem para conversar com o seu cliente, para discutir cultura geral com o seu cliente, mas eu não acho que seja fundamental. Acho que um sommelier que não estuda, que não se dedica e que faz muitas viagens… E eu conheço alguns assim, por conta de estarem em um restaurante bacana, viajam muito, mas não estudam, não se dedicam. E não são profissionais completos da mesma forma.

GC: As pessoas enxergam o sommelier com certo glamour por estar sempre com taças de vinho por perto. Tem algo que ninguém fala sobre a profissão, mas você considera importante falar para quem pensa em se tornar um sommelier?

DA: Tem um ponto que eu acho fundamental e que ninguém fala nisso para o profissional, ninguém dá muita atenção… Se você quer ser um sommelier bem-sucedido e profissional, vinho é só uma parte da coisa. Você tem que saber fazer muita planilha. Você tem que saber controlar o estoque, tem que saber ter uma visão financeira e empresarial do negócio, e isso falta para maioria. Os profissionais que eu conheço que têm isso adquiriram na marra. Jogaram eles numa função que teve que aprender na marra. Eu acho que é 50/50 [o tempo que você divide entre salão e escritório]. O sommelier é um administrador também. Ele administra uma parte do restaurante. E dependendo do restaurante, ele pode estar administrando uma fatia muito grande. Se ele não estiver preparado para aquilo, ele não vai desempenhar uma grande parte do trabalho dele. Quando o restaurante começa a perceber que o sommelier é só o cara que está cuidando do salão e abastecendo a adega, mas eu tenho que ter todo um custo administrativo para manter o trabalho dele, eu não preciso desse sommelier aqui. Vale mais a pena eu ter um maître aqui que entenda de vinho que vai ser mais barato.

GC: A passagem pelo restaurante é fundamental para a carreira de um sommelier?

DA: Eu não sou um profissional de banco que virou sommelier. No restaurante, eu sou um profissional que começou de baixo e virou sommelier. Se eu fosse na cozinha, a função equivalente a que eu desempenhava seria o pia. Eu era o cumim. Ele não precisa necessariamente começar como cumim. O sommelier, por definição, é o profissional do serviço. É o profissional do restaurante, que passou pelo restaurante, que foi formado pelo restaurante. Eu acho que o restaurante dá um jogo de cintura e uma habilidade, uma facilidade para ligar os pontos da harmonização, da venda, fazer a leitura do cliente, criar empatia com o cliente… Que é muito difícil você criar em outras áreas.

GC: Esse jogo de cintura que você comenta também está muito ligado a sair de saia justa, certo? Qual é a situação mais difícil que um sommelier enfrenta no salão?

DA: A maior saia justa que a gente tem é quando você tem alguma reclamação. “Ah, o vinho está ruim, quero trocar, eu não gostei”. Você abre na hora e verifica. A minha postura sempre foi jogar a bola para o cliente. Quando o vinho estava perfeito e o cliente reclamava, “o que está ruim no vinho?”. Normalmente era uma resposta genérica, do tipo “o vinho está azedo, está muito forte”. Como sommelier, a minha função é técnica. É explicar para o cliente como é o vinho, quais as suas características. “O vinho está nas condições dele”, eu costumava dizer. Quando o cliente insistia, quando deixava de ser uma questão técnica e virava uma decisão política. Aí não era mais da minha alçada, ia do gerente decidir se trocava a garrafa ou não. Nem todos concordam com isso, tem muita gente que defende a postura de que o cliente tem sempre a razão a qualquer custo. Eu não acho isso. Acho que o cliente tem sempre razão quando ele tem razão. Quando a casa optava em trocar o vinho, eu discretamente deixava claro que ele estava errado. “Vamos abrir outra garrafa então, eu sugiro que você escolha então outro vinho, pois se você abrir outra garrafa, o vinho vai estar com as mesmas condições, com as mesmas características”. Normalmente quando o cliente reclama, ele escolheu errado. Ele não gostou do vinho. Ele não sabia o que ele queria. Eu já tive caso de cliente que se portou de forma mais correta, mais ética. Ele escolheu errado, não gostou do vinho, mas provou e antes de servir para os convidados, me pediu para colocar a rolha, pois ia levar este vinho para casa e servir outro para os convidados.

GC: E como você aborda um cliente que não entende muito de vinhos, mas também não sabe bem qual é o estilo que deseja pedir? Quais são as primeiras perguntas que você faz para esse cliente?

DA: “O senhor tem preferência dos vinhos de algum país, de alguma uva? Há alguma marca específica que o senhor conheça?”, e a partir da resposta dele, eu já sei mais ou menos o estilo que ele busca. Eu já sei a faixa de preço que eu vou. Se ele falar que gosta de um vinho de entrada, como o Familia Gascón, ou se falar que gosta de um vinho como o Miguel Escorihuela Gascón, eu já sei a faixa de preço que eu vou. Normalmente vou sugerir algo diferente daquilo que ele me disse, mas com a mesma característica. Se ele falar que gosta do Miguel Escorihuela Gascón Malbec, por exemplo, eu vou sugerir um vinho encorpado, com estruturado, macio, frutado, mas do Velho Mundo, para ele provar algo diferente, uma coisa nova. Sempre tento surpreender.

GC: Você diria que surpreender o cliente é o segredo para ser um grande sommelier?

DA: Acho que essa é a função do sommelier [surpreender o cliente]. E não só no restaurante, mas no mercado como um todo. Olhando no grande plano, a função do sommelier é garantir que esse cara pode continuar fazendo Dogliani. Ele não precisa arrancar os vinhedos e plantar Malbec, porque Malbec é o que as pessoas consomem. Tem quem venda Dogliani. Mas esse não é um vinho que um cliente que não conhece vai entrar na loja e falar “poxa, um Dogliani!”, ele vai levar um Malbec, ele vai levar um Cabernet Sauvignon. A função do sommelier é manter essas coisas vivas, fazer com que as pessoas conheçam e descubram essas coisas, qeu elas tenham oportunidade de provar.

GC: O que você considera excelência no serviço de vinho?

DA: Excelência do serviço de vinho no restaurante é o serviço que é memorável e que ele é invisível ao mesmo tempo. É aquele serviço em que o cliente sai plenamente satisfeito, sai sem ter nada de negativo para falar daquele serviço. O serviço foi bom, rápido, eficiente, estava tudo na temperatura certa. O vinho foi servido na quantidade certa, na hora certa, não precisei pedir. E ao mesmo tempo é discreto, invisível, não é intrusivo, o sommelier não fica entrando toda hora na mesa, falando, atrapalhando. Vocês podem imaginar que para um sommelier do meu tamanho é um pouco difícil ser invisível. Você precisa ter um dom de bailarino. O Thomas Keller, chef americano que tem o Per Se, restaurante Três Estrelas [pelo Guia Michelin], os funcionários do salão dele foram treinados por um coreógrafo, para ter leveza na movimentação, tem uma boa dose de balé em você manter invisibilidade num nível de salão. O serviço tem que ser preciso. O que me ajudou bastante na época em que eu comecei a fazer concurso, e que me ajuda até hoje, eu sempre tinha preocupação de cada garrafa de vinho que eu ia abrir, eu abria como se estivesse na apresentação do concurso. Então eu abria de forma rápida, objetiva e sempre seguindo o “check list”, o passo a passo. As mesmas coisas, do mesmo jeito, tornando os movimentos automáticos. Então você ganha isso: precisão, rapidez, agilidade. O restaurante pode ter uma única mesa, e você tem todo o tempo do mundo para atender, ou o restaurante pode ter 35 mesas, e você vai ter que se desdobrar em três, você vai ter que fazer tudo muito rápido, mas da mesma forma: com elegância, com precisão, com correção. Sem precisar fazer “rasgueiragem”.

GC: O que é a carta de vinhos perfeita?

DA: A carta de vinhos perfeita… Você tem dois extremos. Tem a carta de vinhos completa, padrão. Você tem uma carta com 14 mil rótulos. Aí você tem todos os países, todos os principais produtores, verticais. E o outro caminho é você ter uma carta mais completa o possível, mas você ter muita flexibilidade, para poder trocar e colocar coisas novas.  Nas cartas que eu montei, independentemente do tamanho – desde uma carta com cento e poucos rótulos até uma carta, a maior que eu montei, com 800 rótulos -, a minha ideia era ter o máximo de variedade. Então o cliente abria em Argentina, na faixa de R$ 120 não iam ter oito Malbecs. Ia ter um Malbec, um Cabernet Sauvignon, um Syrah. Na faixa de R$ 500 de novo, um Malbec, um Sangiovese. Eu não vou ter 32 vinhos austríacos, mas vou ter um Grüner Veltliner. Eu não vou ter todas as principais varietais da Alsácia, mas eu vou ter um Riesling ou um Gewürztraminer, algo muito típico, muito representativo. E ter variedade. Manter esse equilíbrio em todas as faixas de preço. Garantir que o cliente que está disposto a gastar até R$ 100 ele vai ter uma experiência com a carta. Ele vai abrir a carta, tem variedade, de vários países, de várias uvas. O cliente que quer gastar R$ 400 vai ter a mesma experiência. Vários vinhos, de vários países, de várias uvas. É muito comum, a gente encontra muita carta de vinho que é bem variada ali no miolo, na faixa dos 150 até 250 reais. Mas aí você vai ter vinhos abaixo de R$ 100. Tem um vinho, dois. Então o cliente não tem escolha. Aquele cliente não vai ter uma experiência completa com a carta de vinhos.

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