Eduardo Chadwick: o nome por trás dos maiores vinhos do Chile

A Grand Cru entrevistou Eduardo Chadwick para saber mais detalhes sobre a brilhante trajetória de seus vinhos. Confira!

Até os anos 1990, o vinho chileno era conhecido por ser bom e barato. Isso porque existia certo preconceito dos críticos internacionais com rótulos que orgulhavam por estampar o nome do país. E foram algumas das iniciativas de Eduardo Chadwick, proprietário das vinícolas Viña Errazuriz, Seña e Viñedos Chadwick, que mudaram a imagem do vinho chileno ao redor do mundo, que hoje briga em pé de igualdade com grandes vinhos de Bordeaux, da Toscana, da Califórnia e de Rioja.

Grand Cru: A vinícola, fundada em 1870 por Don Maximiano Errazuriz, está prestes a completar os 150 anos de história. Você assumiu o comando da vinícola em 1983 e segue expandindo os negócios da família no vinho até hoje. Você sempre soube que seguiria a tradição da sua família e trabalharia com vinho? Em algum momento pensou em seguir para outro setor?

Eduardo Chadwick: Sim, assumi a liderança da vinha em 1983. Nesse ano, o meu pai me convidou para me unir à Viña Errazuriz, nossa bodega familiar, que ele havia abandonado por vários anos. Desde o começo eu me dei conta do grande potencial e comecei a viajar para aprender as distintas apelações de vinhos mundiais. Ao mesmo tempo, no Chile, começávamos a melhorar a qualidade dos vinhos que estávamos produzindo. Esse foi o começo de uma revolução na qualidade dos nossos vinhos. Se tornou meu sonho – ou talvez minha obsessão – fazer vinhos mais finos a partir do nosso terroir e apresentá-los com orgulho para obter o reconhecimento de classe mundial que os nossos vinhos chilenos mereciam. Respondendo à sua primeira pergunta, venho de uma família que tem longa trajetória de empreendedores com paixão pelo vinho, e hoje continuo o legado da minha família. Comecei na Viña Errazuriz em 1983, depois de obter meu título de engenheiro civil industrial na Universidade Católica do Chile. Viajei para para aprender tudo o que podia sobre vinho e também fui ao Instituto de Enologia de Bordeaux para conhecer Émile Peynaud, considerado o pai da enologia moderna. Também viajei pelas regiões vitivinícolas do mundo para absorver as melhores técnicas e colocá-las em prática no meu país.

GC: Em 1870, Don Maximiano Errazuriz disse “Da melhor terra, o melhor vinho” sobre o pioneirismo no cultivo de uvas e produção de vinho no Vale do Aconcagua. Vocês são visionários desde a fundação da vinícola até o reposicionamento da marca. Você acredita que o Aconcagua é a melhor região do Chile para produzir vinhos de alta gama?

EC: Sim. No coração do país vitivinícola, os vales do Aconcágua e do Maipo abrigam alguns dos terroirs mais finos e de classe mundial do Chile, tais como os de Don Maximiano, Seña e dos vinhedos Chadwick. Nesses vales, o clima mediterrânico garante verões quentes e secos, com dias iluminados e ensolarados, e inverno frios e chuvosos, como os que as parreiras tanto apreciam. O efeito refrescante da corrente de Humboldt do Oceano Pacífico, assim como os ventos que sopram da Cordilheira dos Andes, criam condições climáticas únicas, como as frescas brisas do meio dia, noites frias e uma grande amplitude térmica que também estende o período de maturação das uvas. Dessa maneira, as uvas desenvolvem sabores frutados intensos, taninos maduros, cores profundas e acidez refrescante. As chuvas estão restritas aos meses de inverno, e as condições secas durante a temporada de crescimento beneficiam a viticultura, ajudando a controlar o vigor das plantas e o tamanho dos cachos. Sem dúvida, ambos os vales contam com abundante e cristalina água de degelo provenientes das imponentes montanhas dos Andes, que fluem pelos rios Aconcágua e Maipo, fontes de água pura para a rega dos vinhedos. Todas essas condições ambientais fazem com que os vales do Aconcágua e do Maopo sejam extremamente favoráveis para o desenvolvimento da viticultura sustentável e orgânica.

GC: Como você conheceu Robert Mondavi? Ele ainda faz parte do joint-venture? De que maneira ele contribuiu para a história da Errazuriz?

EC: Robert Mondavi veio ao Chile pela primeira vez em 1991 com a finalidade de explorar a vitivincultura do país. O incansável pioneiro já havia demonstrado, na década de 1960, o que podiam alcançar com o trabalho duro, dedicação e entusiasmo sem limites quando construiu a bodega Robert Mondavi no Vale do Napa. Ele também inspirou as pessoas a verem o vinho como parte essencial de um estilo de vida mais elegante, que se incluía à gastronomia e às artes. Seus esforços levaram a conseguir o reconhecimento mundial para a excelência de seus vinhos do Napa.

Mondavi encontrou um espírito afim na minha família, e eu fui designado a ser o seu chofer durante sua visita ao Chile. A medida que percorríamos as regiões vitivinícolas e começávamos a nos conhecer, ambos descobrimos que compartilhávamos da mesma paixão a compromisso de criar vinhos únicos e extraordinários. Assim, a semente de um novo sonho começou a fixar as suas raízes. Trabalharíamos juntos para criar um vinho de classe mundial, ao nível dos ícones, que não tinha com qual se comparar no Chile. O projeto tornou-se realidade em 1995. Robert Mondavi e eu firmamos um acordo para formar o primeiro joint-venture internacional na história do vinho do Chile, assim nasceu o Seña. Ambos embarcamos em uma viagem pioneira com a desafiante meta de criar um vinho de excelente qualidade, que captasse a essência da uva e o espírito da terra. Unimos a paixão e a experiência das duas famílias vinhateiras, com tradição, trabalho duro e tecnologia moderna para elaborar um tinto que pudesse expressar o caráter único do Vale do Aconcágua e que mudasse a forma com que o mundo pensava a respeito do vinho chileno.

Hoje, a minha família e eu somos proprietários da Viña Seña, mas o espírito pioneira de Robert Mondavi segue nos acompanhando à medida que se vai cumprindo o sonho que algumas vezes dividimos.

Eduardo Chadwick, presidente da vinícola Errazuriz.

GC: Durante muito tempo, os vinhos chilenos eram vistos como “bons e baratos”, ofereciam ótimo custo-benefício, mas sem um longo potencial de guarda e sem muita complexidade. Não se comparam aos vinhos de Bordeaux ou de Montalcino, por exemplo. A Viña Errazuriz foi uma das pioneiras a enxergarem potencial no Chile para dar origem a vinhos de alta gama e uma das protagonistas dessa mudança. Como foi essa trajetória? Como vocês provaram para o mundo inteiro que o Chile era dono de um terroir excepcional e que poderia, sim, dar origem a vinhos de alta gama?

EC: Nos primeiros anos do novo milênio, eu havia provado as formas mais tradicionais para promover os meus vinhos no mundo. Apesar dos esforços da minha equipe por educar os críticos e escritores de vinhos, sommeliers, compradores, por meio de degustações, seminários técnicos, vistas ao vinhedo, harmonizações de vinhos e comidas, jantares com enólogos, participação de férias vinícolas, viagens promocionais em conjunto com outras bodegas chilenas, etc, a mensagem do potencial do país para fazer vinhos de classe mundial ainda não era reconhecida por completo.

Mesmo tratando de apresentar os nossos vinhos mediante todos os métodos tradicionais – e incluindo alguns não tradicionais -, os críticos todavia pareciam ter preconceitos contra os rótulos chilenos. A qualidade não estava sendo totalmente reconhecida devido a história relativamente curta do vinho chileno, e sua imagem inicial de ser principalmente um produtor de vinhos de boa relação preço-qualidade. Era necessário uma forma de realmente chamar a atenção deles e abrir os seus olhos sobre a grande qualidade e o potencial de classe mundial dos vinhos chilenos.

Então me inspirei em um fato histórico que aconteceu na França e revolucionou o mundo do vinho em 1976. Steven Spurrier, um inglês que era proprietário de uma loja de vinhos em Paris, organizou uma degustação às cegas de vinhos franceses e californianos, e convidou críticos franceses de destaque para julgá-los. Quando se revelaram os resultados finais, todos estavam assombrados de saber que não só uma quantidade de vinhos tintos e brancos da Califórnia havia sido qualificada entre os dez de maior destaque, como um deles encabeçou a lista de vinhos tintos e brancos. Em 1976, era impensável que um vinho da Califórnia pudesse competir com ícones franceses, muito menos ganhar deles. O evento que hoje se conhece como o Julgamento de Paris significou uma reviravolta para os vinhos da Calfórnia, devido ao fato de serem degustados às cegas. Os jurados não sabiam o que estava em suas taças, e justamente por isso, suas preferências por determinados rótulos não formavam parte de sua seleção. E se isso havia funcionado para a Calfórnia, concluí: por que não funcionaria para o Chile?

Organizei o que ficaria conhecida como The Berlin Tasting e convidei membros-chave do mundo do vinho europeu para degustar às cegas os vinhos mais finos franceses e italianos junto com os meus próprios vinhos. Os jurados não conheciam a identidade dos vinhos em suas taças e, por isso, seria eliminado qualquer preconceito pessoal, a favor ou contra uma origem ou marca determinados. O meu plano era degustar os meus próprios vinhos Don Maximiano Founder’s Reserve, Seña e Viñedo Chadwick ao lado dos mais famosos vinhos do mundo. Quando ouvi que o Seña 2000 tinha empatado com o Margaux 2001 em quarto lugar, me senti realmente satisfeito e feliz, e comecei a ficar relaxado. Ao menos um dos nossos vinhos estava entre os cinco mais destacados. Logo se anunciou o Lafite 2000 em terceiro lugar. A tensão começou a aumentar, e a grande surpresa veio quando Steven anunciou Seña 2001 em segundo lugar… Seguido por Viñedo Chadwick em primeiro lugar!

Este revolucionário acontecimento para a indústria chilena resultou um grande fato que elevou a imagem do Chile como uma apelação de classe mundial.

Foi também o ponto de partida de 22 degustações às cegas ao redor do mundo. Entre os anos 2004 e 2013, mais de 1.400 especialistas do mundo degustaram os melhores expoentes das apelações de Bordeaux, Toscana, Califórnia e Rioja ao lado dos vinhos-ícone do Chile, entre eles o Viñedo Chadwick. Em 90% das ocasiões, o corpo jurado escolheu um vinho entre os três primeiros lugares contribuindo, assim, com o aumento do reconhecimento internacional da qualidade dos vinhos e do terroir chilenos.

Vista da centenária casa principal da vinícola Errazuriz.

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